domingo, 18 de abril de 2010

Meu estimado Câncer.

Acaricio os cabelos do meu Câncer. Hoje é um dia tranqüilo pra nós, nem falamos em dores.
Há 24 horas não escuto os meus gemidos, nem o lamento dos amigos miando repetidamente ao telefone seja forte, tenha fé !; ou bramidos de terror.

Hoje, este doente tira folga da dor alheia.

Sinto o corpo levemente anestesiado por conta do novo medicamento. São momentos agradáveis de leveza, quase lisérgicos. O que será mesmo que tinha naquela água ?

Neste quarto azul, há uma imensa janela de vidro enquadrando a paisagem há muito apagada pelos hospitais. O cheiro destas montanhas até adormece minhas narinas fatigadas de insistir.

Sei que ainda compartilharei muitos momentos com meu estimado Câncer.

- Você terá longos anos de vida, afirmou a Cartomante.

- Não nutra grandes esperanças com a cura, enfatiza o sábio médico. Quando ele voltar enfurecido, enciumado, ou mata você, ou mata ela.

- Quem vai morrer primeiro? brinca meu coração.

Não há quem não sinta esta pedra alojada no meu tórax de prata. E perguntam, e perguntam, e perguntam, entoando a velha canção:

- Câncer por quê? Câncer por quê? Câncer por quê?

- Mãe, o coral dos Urubus está lá fora.

Escureço a janela.

Nenhum comentário: