Acaricio os cabelos do meu Câncer. Hoje é um dia tranqüilo pra nós, nem falamos em dores.
Há 24 horas não escuto os meus gemidos, nem o lamento dos amigos miando repetidamente ao telefone seja forte, tenha fé !; ou bramidos de terror.
Hoje, este doente tira folga da dor alheia.
Sinto o corpo levemente anestesiado por conta do novo medicamento. São momentos agradáveis de leveza, quase lisérgicos. O que será mesmo que tinha naquela água ?
Neste quarto azul, há uma imensa janela de vidro enquadrando a paisagem há muito apagada pelos hospitais. O cheiro destas montanhas até adormece minhas narinas fatigadas de insistir.
Sei que ainda compartilharei muitos momentos com meu estimado Câncer.
- Você terá longos anos de vida, afirmou a Cartomante.
- Não nutra grandes esperanças com a cura, enfatiza o sábio médico. Quando ele voltar enfurecido, enciumado, ou mata você, ou mata ela.
- Quem vai morrer primeiro? brinca meu coração.
Não há quem não sinta esta pedra alojada no meu tórax de prata. E perguntam, e perguntam, e perguntam, entoando a velha canção:
- Câncer por quê? Câncer por quê? Câncer por quê?
- Mãe, o coral dos Urubus está lá fora.
Escureço a janela.
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